Pesquisar este blog

terça-feira, 27 de abril de 2010

A arte

Gente analisada é assim: muito boazinha antes do tratamento. Cordata, simpática, tudo de bom, um amor.
Começa a terapia, vai evoluindo e pronto, se “coloca”.
Se colocar, para quem não sabe, é botar para fora, sem dó nem piedade, seu lado negro.
Tudo passa a ser dito sem censura.
A primeira a pagar é a pobre da mãe. Esta passa a ser a culpada de tudo. De tudo que deu errado, diga-se de passagem.
E agora comigo tudo mudou, sou outra pessoa, diz a analisada: ele, ela , todo mundo vai ouvir o que tenho a dizer, não guardo mais, só faço o que quero, doa a quem doer. E por aí vai ela, esbravejando...
Os que estão em volta se possível se afastam. Maridos se separam, amigos brigam, e aqueles que não têm outro jeito, aturam.
Tudo parece sem solução, pois, no mundo atual, o importante é ser feliz . Afinal, como ter problemas num mundo tão perfeito! Num tempo tão irreal que chega a querer fazer do trabalho um lazer e, do lazer, um dever...
Foi, nesta encruzilhada, que ouvi da Viviane, a filósofa, na sala de aula, numa das terças à tarde onde nos conta tudo sobre o sofrimento, o trágico, o inevitável, os segredos de seu amigo Schiller, no que se refere aos cuidados de si.
Para cuidar de si, disse ela, você tem que ter um interior transbordante e um exterior limitado, tem que ser educado, delicado com os que o cercam.
Mas e agora, onde fica o analisado? O que vai fazer com sua sombra, com seu excesso que não pode mais ser derramado?... Como ele fica?...Onde fica?... Para que lugar vai aquele entulho trágico que o sufoca. Ele, agora, de novo, tão delicado...
Mas que é isso, falou Nietzsche, pulando de dentro do Zaratustra que estava sobre a mesa . Não vos fazeis de delicados, pois não passais de bestas de carga.
O analisado, catatônico, olha para Viviane que invoca os sábios.
Nietzsche fita Schiller já presente, que chama o detetive Sherlock Holmes para responder. Este aspira fumaça de seu cachimbo, dá três baforadas e fala após uma pausa e um pigarro.
_ Elementar, caros colegas, a saída para a angústia que fica presa no peito, para a depressão que nos paralisa , é uma só: a ARTE.

Nenhum comentário:

Postar um comentário